Um convite à colaboração: criando soluções para problemas complexos

Esta é a segunda de uma série de matérias que vão abordar os painéis do Fórum Brasileiro de Impacto Coletivo, dias 29 e 30 de setembro, realizado pela United Way Brasil em aliança estratégica com Collective Impact Fórum, Aspen Institute, Global Opportunity Youth Network (GOYN) e Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas). Apoio de disseminação de conhecimento do Instituto Sabin e colaboração da FEMSA e OEI.

Na manhã do dia 29 de setembro, mediados por Fernanda Schimidt, jornalista e editora do Ecoa (UOL), Adam Kahane, diretor da Reos e especialista em solução de conflitos, e Nina Silva, idealizadora do Movimento Black Money, trouxeram suas experiências que utilizam a colaboração ao enfrentamento de problemas complexos.

Na conversa, Adam defendeu que é possível trabalhar com pessoas diversas, inclusive aquelas com as quais não concordamos, nem confiamos. “Não é fácil, não há garantias, mas é possível”, reforçou. “O que eu aprendi nos mais de 30 anos de atuação é que, quando estamos diante de uma situação complexa, se tentarmos usar métodos que funcionam para situações não complexas, acabamos tendo uma fragmentação, obsolescência e polarização. Para obter sucesso nesse tipo de problema, precisamos de um processo que seja sistêmico, experimental e colaborativo”, ou seja, ele acredita que a metodologia do impacto coletivo é uma estratégia afinada à resolução de situações muito difíceis.

Sua percepção tem como base diversas experiências, como quando assumiu o papel de facilitador das reuniões realizadas entre diferentes atores, inclusive opositores entre si, na transição do regime de opressão racial, o apartheid, que predominou na África do Sul por muitos anos, para a democracia. A mesma vivência se deu mais recentemente, em 2014, no México, para intermediar o fim de conflitos que geraram o massacre de alunos e professores indígenas, num contexto de muita corrupção naquele país. O trabalho começou há seis anos e está em curso, criando uma aliança entre mais de 100 lideranças de diferentes áreas.  

“Se você não consegue entender como é parte do problema, como você participa das questões que levam à situação atual, então você não pode ser parte da solução.”

Para Adam, “normalmente, tendemos a impor o que queremos fazer, afetando ou não os outros. A colaboração, às vezes, é vista como primeira opção, mas, geralmente, é a última maneira adotada de se chegar ao que se quer. A experiência de colaboração pode ser muito diferente do que se espera. Ou seja, é importante que as pessoas abracem o conflito e a possibilidade de se conectarem umas com as outras, no lugar de buscar um consenso. É essencial que cada um reconheça o seu papel nesse processo e o que é preciso fazer diferente para que a situação mude, no lugar de impor mudanças para as pessoas. A essência do impacto coletivo, de uma colaboração extensiva ou ampliada, é não esperar que os outros façam alguma coisa, mas remover os obstáculos para que os envolvidos consigam expressar aquilo que os motiva mais profundamente, remover os obstáculos para a expressão do poder, do amor e da justiça. A forma de aprender colaboração é a mão na massa, é se engajar com os outros, de raças, níveis sociais e faixas etárias diferentes. A experiência de atuar com pessoas diversas é que nos dá o entendimento sobre potenciais e desafios de se criar essa capacidade colaborativa”, finalizou.

RACISMO ESTRUTURAL, UM PROBLEMA COMPLEXO

Diferentemente de Adam, a experiência de Nina Silva com o impacto coletivo nasce de uma questão pessoal, que se amplia para um problema mais complexo no mundo e, especialmente, no Brasil. Cansada de não se reconhecer nos ambientes sociais e corporativos, ela foi vivenciar realidades em países onde as lutas contra o racismo estão vários passos à frente, para poder contribuir ao cenário brasileiro. Nina, que também integra o Conselho Deliberativo da United Way Brasil, fundou o movimento Black Money, que ela define como um processo em curso estruturado para conectar diferentes agentes que possam contribuir à causa.

Formada na área de TI e open finance, ela explica: “Fui apresentada a uma fresta dentro do sistema, sendo uma mulher preta. Olhei para essa fresta e vi uma chance não só de mobilização e possível carreira, mas, principalmente, como um espaço de mudança de acesso e de oportunidades para uma comunidade inteira. Somos 118,9 milhões de pessoas autodeclaradas negras e pardas, o segundo maior país em população negra no mundo, atrás apenas da Nigéria. Também somamos 53% dos micros e pequenos negócios que movimentam a economia brasileira, motivados pelos 70% de desempregados do país, que são negros e pardos e que acabam empreendendo por necessidade.”

Para Nina, ao falar de processos colaborativos é essencial que se fale em agenda comum, metas e objetivos. No caso do Black Money, essa agenda é o empoderamento, o reequilíbrio para dar poder às pessoas pretas e pardas no Brasil, que não contam com nenhuma ação mais estruturada. O racismo, sem dúvidas, é um problema complexo que arrastamos há anos. É um problema estendido e, portanto, a colaboração para enfrentá-lo também precisa ser estendida. “A pandemia e o homicídio de George Floyd, nos EUA, trouxeram à tona questões importantes sobre o genocídio dos jovens negros no Brasil. Um start colaborativo para que construamos uma agenda enegrecida, onde raça seja colocada como ponto de partida para outras agendas de desigualdades sociais, porque estamos falando de um país negro, em que a expectativa de vida de uma pessoa trans branca é de 35 anos e de uma trans negra é de 25, por exemplo. Ou seja, o fator raça puxa os índices para o agravamento das desigualdades.”

“Quem nunca ouviu falar que ‘se você quiser ir rápido, vá sozinho, mas se quiser ir longe, vá acompanhado’? Esse ditado é a base do trabalho colaborativo.”

Nina Silva

Segundo Nina, diferentemente de outras iniciativas brasileiras, o Black Money tem uma intencionalidade ao agir na questão racial. “A princípio, o movimento tinha como objetivo ser uma consultoria global de tecnologia para pessoas pretas, mas vi que o buraco era mais fundo. A gente precisava falar de educação, de letramento racial, para negros e não negros, e serviços financeiros. Temos, em quatro anos de atuação, 5 mil afro-empreendimentos sendo apoiados pelo Black Money, com o pilar único ‘compre intencionalmente de pessoas pretas, ative seu capital financeiro a serviço da comunidade negra’.”

Para ela, a sociedade precisa ser colaborativa, a partir de dores reais. “A dor da comunidade negra precisa ser uma dor sentida por todos para que a gente possa resolver as demais questões de desigualdades”, ou seja, esta tem de ser a agenda comum para resolver a falta de equidade na sua raiz.


DURANTE TODO FÓRUM BRASILEIRO DE IMPACTO COLABORATIVO, OS PARTICIPANTES FORAM CONVIDADOS A COLABORAR E COMPARTILHAR SUAS REFLEXÕES SOBRE OS TEMAS ABORDADOS NOS PAINÉIS. DURANTE A EXPLANAÇÃO DE ADAM E NINA, ESTAS FORAM AS PRINCIPAIS EXPRESSÕES REGISTRADAS NO JAMBOARD
  • “Trabalho de colaboração traz a diversidade.”
  • “Colaboração é o único caminho para enfrentar os desafios desta década!”
  • “Colaborar pressupõe escuta ativa, atenta, intencional.”
  • “A colaboração muda posturas e visões.”
  • “É necessário um diálogo franco e ativo para mudar a realidade e estrutura  enraizada.”
  • “Se você quiser mudar um sistema, você tem que mudar as pessoas que formam esse sistema. Tem a ver com cultura!”
  • “Colaborar é retirar obstáculos do caminho, de forma conjunta.”
  • “O racismo é um problema complexo, enraizado na sociedade, e só pode ser enfrentado com a atuação coletiva.”
  • “Colaboração de forma estruturada é o caminho do futuro, até para garantirmos os objetivos de desenvolvimento sustentável.”

Na próxima matéria, confira os principais pontos levantados por John Kania, um dos criadores da metodologia de impacto coletivo, o segundo painel do evento, mediado pelo jornalista Fernando Rossetti.